quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Revista Crás - Origem





A Crás foi uma experiência da editora Abril na fase mais pujante de sua produção de quadrinhos, a chamada “Era Pato”. As tiragens variavam de 200 a 500 mil exemplares num tsunami de 4 milhões de revistas por mês, e os patos, cães e camundongos também invadiam manuais, enciclopédias e edições nostalgia de capa dura. Parte respeitável do material era feita no departamento de infanto-juvenis da Abril que empregava 130 pessoas, das quais 30 eram desenhistas e roteiristas.

Foi então – nos informa Gonçalo Júnior em seu minucioso “O Homem Abril” – que o editor Cláudio de Souza, desde 1971 no comando dos infanto-juvenis, propôs a criação de uma revista só de autores nacionais e suas criações, nos moldes das europeias “Linus” e “Pilote”. A “Crás” era uma verdadeira salada de estilos e personagens, misturando veteranos e novatos, temas folclóricos e internacionais, desenho realista e cartum, e vários participantes eram prata da casa.

Na visão de Cláudio a "Crás" não precisava dar lucro, seria uma revista-laboratório cujos personagens eventualmente poderiam ganhar revista própria (como aconteceu com Satanésio, de Ruy Perotti).

Primórdios da "Crás": os movimentos pela HQ nacional

De certa forma, Cláudio de Souza, por vias editoriais, atendeu aos anseios dos movimentos pelo quadrinho nacional de uma década atrás, quando foi criada a Cooperativa e Editora de Trabalho de Porto Alegre (CETPA), em 1962. Naquela experiência Canini também participava fazendo o cartum em tiras “Zé Candango” – candango era o migrante que construiu Brasília – criação do diretor da CETPA, Zé Geraldo. De cunho marcadamente ideológico, a tira sacaneava os arquétipos do “imperialismo ianque”, representado por heróis e “mocinhos” do faroeste (ideia reaproveitada por Ziraldo nos “Zeróis” em 1967 no JB e depois no Pasquim).

[caption id="attachment_1570" align="alignnone" width="242"]caricatura de Gene Barry do seriado Bat Masterson, na tira "Zé Candango" caricatura de Gene Barry do seriado Bat Masterson, na tira "Zé Candango"[/caption]
Mas em 1974, no final do governo Médici, é claro que Canini não iria fazer um libelo anti-americano com Kactus Kid. Ele até que tentou sutilmente assinalar sua rebeldia: o nome original do pistoleiro era Koka Kid, porém mudaram o nome para Kaktus sem consultar o autor (estranhíssimo esse “Koka” – conotações políticas à parte, “Kactus” ficou muito melhor). Mas Kactus, ainda que tivesse permanecido Koka, jamais poderia personalizar a arrogância imperialista atribuída aos americanos, seu papel de xerife do mundo, guardião da lei e da ordem. Kaktus Kid, aliás, Zeca Funesto, é um dos personagens mais indigentes da HQ, ao lado de Rango e Zeferino.

Como Zé Carioca, atormentado pelos cobradores da Anacozeca (Associação Nacional dos Cobradores do Zé Carioca – criação do roteirista Paulo Paiva, editor e cartunista de “Chico Peste”), o pacato e esfomeado coveiro Zeca Funesto também é “perseguido pelos credores”. Tudo na HQ é penúria, miserê; na parede de tábuas, contas e mais contas; nada funciona como devia, até a cidade estagnada tem o nome de “Deskansas City”. O remédio de Zeca Funesto é se transformar em Kactus Kid para matar uns bandidos e conseguir “fregueses”.

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