A “Crás” foi uma experiência da editora Abril na fase mais pujante de sua produção de quadrinhos, a chamada “Era Pato”. As tiragens variavam de 200 a 500 mil exemplares num tsunami de 4 milhões de revistas por mês, e os patos, cães e camundongos também invadiam manuais, enciclopédias e edições nostalgia de capa dura. Parte respeitável do material era feita no departamento de infanto-juvenis da Abril que empregava 130 pessoas, das quais 30 eram desenhistas e roteiristas.
Foi então – nos informa Gonçalo Júnior em seu minucioso “O Homem Abril” – que o editor Cláudio de Souza,
desde 1971 no comando dos infanto-juvenis, propôs a criação de uma
revista só de autores nacionais e suas criações, nos moldes das
europeias “Linus” e “Pilote”. A “Crás” era uma verdadeira salada de estilos e personagens,
misturando veteranos e novatos, temas folclóricos e internacionais,
desenho realista e cartum, e vários participantes eram prata da casa.
Na visão de Cláudio a "Crás" não
precisava dar lucro, seria uma revista-laboratório cujos personagens
eventualmente poderiam ganhar revista própria (como aconteceu com
Satanésio, de Ruy Perotti).
Primórdios da "Crás": os movimentos pela HQ nacional
De certa forma, Cláudio de Souza, por
vias editoriais, atendeu aos anseios dos movimentos pelo quadrinho
nacional de uma década atrás, quando foi criada a Cooperativa e Editora de Trabalho de Porto Alegre (CETPA),
em 1962. Naquela experiência Canini também participava fazendo o cartum
em tiras “Zé Candango” – candango era o migrante que construiu Brasília
– criação do diretor da CETPA, Zé Geraldo. De cunho marcadamente
ideológico, a tira sacaneava os arquétipos do “imperialismo ianque”,
representado por heróis e “mocinhos” do faroeste (ideia reaproveitada
por Ziraldo nos “Zeróis” em 1967 no JB e depois no Pasquim).

Mas em 1974, no final do governo Médici, é
claro que Canini não iria fazer um libelo anti-americano com Kactus
Kid. Ele até que tentou sutilmente assinalar sua rebeldia: o nome
original do pistoleiro era Koka Kid, porém mudaram o
nome para Kaktus sem consultar o autor (estranhíssimo esse “Koka” –
conotações políticas à parte, “Kactus” ficou muito melhor). Mas Kactus,
ainda que tivesse permanecido Koka, jamais poderia personalizar a
arrogância imperialista atribuída aos americanos, seu papel de xerife do
mundo, guardião da lei e da ordem. Kaktus Kid, aliás, Zeca Funesto, é
um dos personagens mais indigentes da HQ, ao lado de Rango e Zeferino.
Como Zé Carioca, atormentado pelos cobradores da Anacozeca
(Associação Nacional dos Cobradores do Zé Carioca – criação do
roteirista Paulo Paiva, editor e cartunista de “Chico Peste”), o pacato e
esfomeado coveiro Zeca Funesto também é “perseguido pelos credores”.
Tudo na HQ é penúria, miserê; na parede de tábuas, contas e mais contas;
nada funciona como devia, até a cidade estagnada tem o nome de
“Deskansas City”. O remédio de Zeca Funesto é se transformar em Kactus
Kid para matar uns bandidos e conseguir “fregueses”.
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